maio 26, 2010

Insight

"Por quê? Será porque aquilo que foi belo se torna frágil para nós em retrospectiva, por esconder verdades sobrias? Por que a lembrança de anos felizes de casamento se estraga quando se revela que o outro tinha um amante durante todos aqueles anos? Será porque não se pode ser feliz em tal situação? Mas a pessoa era feliz! às vezes a lembrança não é fiel à felicidade quando o fim foi doloroso. Será porque a felicidade só vale quando permanece pra sempre? Será porque só pode terminar dolorosamente o que foi doloroso de um modo inconsciente e invisível? Mas o que é uma dor inconsciente e invisível?
Volto a pensar naquela época e me vejo diante de mim. Eu vestia os ternos elegantes que um tio rico havia deixado e cabiam em mim, junto com vários pares de sapatos de duas cores, preto e marrom, preto e branco, camurça e couro liso. Eu tinha braços e pernas longos demais, não para os ternos que minha mãe havia ajeitado, mas para uma coordenação de meus movimentos. Meus óculos eram de um modelo barato e meu cabelo um escovão desgrenhado, o que quer que fizesse. Na escola, não era bom nem ruim; acho que muitos professores não me percebiam direito e os alunos que davam tom da classe também não. Eu não gostava de minha aparência, do modo como me vestia e me movia, do que realizava e de como os outros me consideravam. Mas quanta energia havia em mim, quanta confiança de que um dia seria bonito e esperto, superior e admirado, quanta expectativa, com a qual eu antecipava novas pessoas e situações.
É isso que me deixa triste? O entusiasmo e a fé que me preenchiam naquela época e retiravam da vida uma promessa que nunca e em momento algum ela poderia conter? Às vezes vejo nos rostos das crianças e adolescentes esse mesmo entusiasmo e essa mesma fé, e as vejo com a mesma tristeza com que volto a pensar em mim. Será que essa tristeza é tristeza pura e simplesmente? É aquela que nos acomete quando belas lembranças tornam-se frágeis se rememoradas, porque a felicidade lembrada não vive mais da situação, mas sim de uma promessa que não foi mantida?"

O LEITOR, de Bernhard Schlink. Primeira Parte, 9.

Nenhum comentário:

Postar um comentário